domingo, 14 de agosto de 2011

O desafio de ser solteiro e adotar


A programação estava pronta já na quinta-feira à noite. As comemorações começariam na manhã seguinte, com uma música surpresa. Sábado, festa na escola. E, hoje, almoço em família. O garoto K., de 9 anos, e sua irmã S., de 7, estavam ansiosos pelo Dia dos Pais, porque agora chamam Válter Ricardo Afonso, de 44 anos, de pai. Há um ano e meio, eles se escolheram.
A urgência de ter filhos que bateu em Válter em 2005, quando seu pai morreu, foi tão grande que o empresário decidiu encarar o desafio sozinho. Ele já havia aberto mão dos relacionamentos amorosos, mas não queria renunciar também à paternidade. Começou então o longo caminho da adoção. "Fui à Vara da Infância de Santo Amaro, que tem uma equipe muito competente, e passei por várias entrevistas", conta.
Simultaneamente, procurou o grupo de apoio à adoção Acolher, na zona sul de São Paulo, para se acostumar com os conflitos que surgiram. "Bate um medão, né? Além do drama de conviver com a ideia de não ter um filho biológico, dá aquele pavor de não dar conta de cuidar dos adotivos." Ainda mais que ele queria crianças mais velhas, "porque cuidar sozinho de um bebê pode ser mais complicado e porque as mais velhas são sempre preteridas, o que é uma pena". Das 4.551 crianças e adolescentes que estavam na fila do Cadastro Nacional de Adoção no fim de junho, 4.376 iam dos 3 aos 17 anos e apenas 175 eram bebês. E dos 27.052 pretendentes a adotar alguém, 2.324 eram solteiros (não há distinção entre homens e mulheres no balanço).
Em seis meses, Válter já estava "habilitado" a ser pai - como se alguém estivesse totalmente habilitado um dia. Faltava o filho. Até que, na escola de natação onde sua irmã leva seus sobrinhos, conheceu K. e S.. Isso porque a escola dá aulas também para crianças que estão em abrigos. "Fiquei tão encantado por eles que de lá corri para a Vara da Infância", lembra Válter. Só que os dois não estavam na fila de adoção, porque o poder pátrio ainda não havia sido destituído - ou seja, os pais biológicos ainda eram também pais de direito - e porque eles tinham outros três irmãos mais velhos e o juiz tinha esperança de que alguém aceitasse adotar os cinco.
A frustração levou o empresário a sair da fila e pedir que o juiz deixasse seu cadastro em suspenso. E assim ficou por dois anos. Em janeiro de 2010, um telefonema mudou a história dos três. "Quando me ligaram para avisar que o juiz havia liberado os dois para adoção, fiquei numa alegria inacreditável. Agora, era esperar que as crianças me aceitassem." Sim, porque em um processo de adoção com crianças mais velhas, elas têm a palavra final.
K. e S. naturalmente idealizavam uma família com pai e mãe e, para contornar esse desejo, Válter montou um álbum de fotos que mostrava seus irmãos, sobrinhos e sua mãe. "Nosso primeiro passeio só os três foi no McDonald"s. Eu sentia um frio na alma", conta. Ele ajeitou com esmero os lanchinhos na mesa e, hoje, leva a foto do encontro que os aproximou em seu celular.
Claro que a aproximação é gradual. K., o garoto com "espírito de poeta, distraído", testava os limites de Válter. S., a menina "amorosa e inteligente", se abriu mais facilmente. Tanto que foi ela a primeira a chamá-lo de pai. Ele precisou de mais tempo. "Estávamos no mercado e, de repente, ouço gritos de "pai, pai, vem ver isso". Ele quis mostrar ao mundo que tinha um pai."
Hoje, os três vivem em um apartamento do Morumbi, fazem terapia, as crianças vão à escola, visitam os primos e, eventualmente, os irmãos biológicos, que ainda não foram adotados. "E eu me pego pensando "o que eu fiz esse tempo todo antes de ser pai?"" 
Fonte:  Jornal O Estado de S. Paulo

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